MC, rapper e ícone da cultura hip hop do Centro-Oeste é símbolo de luta, arte e legado
La Brysa, La Brysa Irrita, Rainha da Escada e da Batalha, ou simplesmente Laysa Moraes Ferreira, foi uma das maiores referências do hip hop no Centro-Oeste, conhecida por sua força, talento e resistência. A artista, que deixou um legado imortal nas batalhas de rima e na cena cultural, foi encontrada morta na última quinta-feira (9), em Cuiabá (MT), cidade onde morava há um ano. Apesar da tragédia que marcou sua vida, La Brysa segue viva na memória e nas rimas de todos que a acompanharam e se inspiraram em sua trajetória.
Natural de Três Lagoas (MS), La Brysa foi uma das maiores representações do hip hop no Centro-Oeste brasileiro. Sua morte, aos 30 anos, deixou uma profunda comoção entre admiradores, colegas de profissão e todos os que viam nela um símbolo de resistência e força, tanto nas batalhas de rima quanto na vida.
Laysa iniciou sua trajetória no mundo das batalhas de rima, quando, em 2016, conquistou sua primeira vitória em uma disputa em Mato Grosso do Sul. A partir desse momento, seu nome foi sendo projetado no cenário do hip hop, e não demorou para que ela se tornasse uma das figuras mais respeitadas do movimento na região. Com uma carreira que durou quase uma década, La Brysa não apenas conquistou títulos e prêmios — foram mais de 310 em sua carreira –, mas também se consolidou como uma artista completa: MC, compositora e poetisa.
“O rap é minha vida”
Nos anos que se seguiram, La Brysa foi ganhando respeito e reconhecimento não só entre os fãs do rap de Mato Grosso do Sul, mas também no Brasil inteiro. Ela foi uma das grandes estrelas do evento “The Big Cypher of Campão”, em Campo Grande, onde se destacou por sua inteligência afiada e sua habilidade em rimar com precisão. Por três anos consecutivos, conquistou importantes títulos, incluindo o de campeã da categoria “Sangue e Conhecimento” da Liga Breaking e o de campeã na Batalha do Conhecimento do MST. Sua participação nesse último evento solidificou sua posição como uma das maiores representantes do rap no Centro-Oeste.
Laysa sempre teve a arte no coração, e seu vínculo com o movimento hip hop era profundo. “O rap é minha vida”, dizia frequentemente. Ela não só defendia sua verdade nas rimas como também lutava pela inclusão e pelo protagonismo feminino em um território predominantemente masculino. Para ela, o hip hop era mais que um estilo musical, era uma filosofia de vida, uma forma de expressar suas dores, conquistas e sonhos. Sua presença nas batalhas de rima era um reflexo dessa força interna e da imensa paixão que sentia pela arte.
Quando La Brysa subia ao palco, ela tinha o poder de contagiar o público com sua energia e presença, fazendo todos se unirem em um coro que ecoava por onde passava. E como ela mesma nos ensinou: “Eu digo La Brysa, e vocês dizem: IRRITA!” — E o grito ressoava: “LA BRYSA IRRITA, LA BRYSA IRRITA!!!”. Sua conexão com a plateia era visceral, e sua habilidade de comandar a cena era inconfundível.
Em 2023, La Brysa foi entrevistada pelo Jornal O Estado sobre o futuro do hip hop feminino na região. A artista falou sobre os desafios enfrentados pelas mulheres no rap, um espaço onde, apesar do crescente protagonismo feminino, ainda predominam os homens. “Eu espero que daqui a dois anos cada cidade que tenha batalha tenha pelo menos duas mulheres rimando”. Seu desejo era ver mais mulheres ocupando esse espaço e quebrando barreiras.

Foto: Sumac Records/divulgação
Rainha da Batalha
A Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, em nota oficial, expressou pesar pela partida de La Brysa, destacando sua trajetória de talento e dedicação ao rap e ao hip hop no Estado. “Neste momento de dor, a Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul presta solidariedade à família, amigos e admiradores da artista, reconhecendo sua contribuição inestimável para a cultura e para o hip hop sul-mato-grossense. La Brysa deixa um legado de luta, resistência e empoderamento feminino no rap. La Brysa viverá para sempre em suas rimas, em suas poesias e no coração daqueles que tiveram o privilégio de ouvir sua voz e sua mensagem”, afirmou a nota.
Amigos e colegas de profissão prestam emocionadas homenagens a La Brysa, relembrando a grandeza da artista e sua contribuição para a cultura. Thalya Veron, artista grafiteira e amiga próxima de La Brysa, contou para reportagem que a rapper foi a primeira mulher que ela viu nas batalhas de rima, e destacou como a presença de rapper era marcante.
“Foi a primeira mulher que vi nas batalhas. Ela ocupava o espaço de uma forma única, e acreditava de coração na arte e na cultura hip hop. Em uma das nossas últimas conversas ela me passou a visão ‘Você é gigante, irmã, o universo e o tempo vão se encarregar de tudo, fica em paz’. A mesma frase que ela me falou, eu repito agora para ela. Eu só quero justiça, só quero que quem fez isso com ela sejam responsabilizados! A voz de LaBrysa jamais será silenciada, o hip hop está em luto e nós também, tiraram uma de nós”, conta.
O DJ Allan Shaba, amigo de La Brysa, contou que a importância da artista não era apenas como MC, mas também como uma figura central na luta contra o machismo e pela participação das mulheres no Hip Hop. “Umas das melhores que já tivemos na história, sempre foi forte no freesltyle e nas poesias. Mas seu exemplo e dedicação vai além! LaBrysa era fogo e água! Sempre quente nas batalhas e sempre carinhosa e simpática com as pessoas. Que a justiça seja feita!”, relata.
A artista visual Laís Rocha, conhecida como “Bejona”, reflete sobre o legado de La Brysa, ressaltando sua força e resistência inabaláveis na cena do Hip-Hop.. Para Bejona, La Brysa era uma mulher de muita garra, que buscava seus sonhos com persistência, enfrentando os desafios sozinha e mantendo o foco. Além disso, ela sempre foi uma parceira fiel das mulheres do movimento, incentivando, ajudando, protegendo e ensinando como lidar com a misoginia presente no ambiente.
“Sempre muito parceira de todas as garotas, sempre incentivava, ajudava, protegia e ensinava a lidar com macho escroto. Já denunciou vários jacks (Gíria usada principalmente na internet para homens assediadores) da cidade, explanou vários casos de machismo e era visivelmente fonte de inspiração para muitos artistas. Falava sobre sua vivência e sua correria nas rimas. Quem conhecia a Laysa, mesmo que apenas por ver nas batalhas, sentia que ali era o lugar dela. Partiu muito cedo e teve sua vida tirada e seu sonho roubado, da maneira mais covarde possível. Que a justiça seja feita, La Brysa sempre presente!”.
A Artista Visual, Erika Pedraza contou que s a vida dela era voltada totalmente para a música e para o hip hop. Em tão pouco tempo em Cuiabá, ela já estava transformando a cena local, mostrando que, onde passava, fazia diferença. La Brysa foi uma referência não só para as mulheres do rap, mas para todas as mulheres, pela sua força, garra e coragem.
“Perder La Brysa é uma grande dor, principalmente porque ela estava começando a conquistar ainda mais espaço e reconhecimento. Ela merecia muito mais visibilidade em vida, mas, infelizmente, não teve o reconhecimento que merecia. La Brysa foi uma mulher incrível, que não tinha medo de enfrentar desafios, principalmente nas batalhas, onde gostava de mostrar sua força, muitas vezes vencendo até mesmo os homens. Ela gostava de ganhar era deles (risos). La Brysa foi uma artista real, autêntica, e sua música reflete exatamente a sua postura e seus ideais” concluiu.
O rap de La Brysa, com suas rimas afiadas e flow único, refletia sua luta constante. Sempre firme em se posicionar, ela enfrentou as adversidades de ser uma mulher negra em um ambiente dominado por homens, utilizando a música como meio para expressar suas angústias, alegrias, críticas e esperanças. Seu compromisso com a arte e com a luta pela maior representatividade feminina no hip hop permanece vivo nas vozes de seus admiradores e nas rimas das próximas gerações de artistas.
Por Amanda Ferreira
Confira as redes sociais do O Estado Online no Facebook e Instagram
Leia mais
Agenda Cultural deste fim de semana terá diversas feiras criativas para entretenimento