“Não podemos mais aceitar justificativas como a falta de dinheiro, porque a verdadeira questão é garantir a presença feminina em todos os espaços”
Luta. Luta por espaço, por reconhecimento, por voz, por igualdade, seja na educação quanto no trabalho, pelo fim da violência de gênero. Neste sábado (8), o mundo tira um momento de reflexão e celebra o Dia Internacional da Mulher. Para trazer luz ao tema, o jornal O Estado realiza duas reportagens especiais com nomes da cultura de Mato Grosso do Sul que vivenciam na pele as dores e alegrias de ser mulher.
Uma das principais figuras femininas representativas do jornalismo em quadrinhos do Mato Grosso do Sul, Marina Duarte já recebeu menção honrosa no 43º Prêmio Jornalístico Vladmir Herzog, Prêmio Mosca de Jornalismo, Prêmio Megafone, e participou da CCXP.
“Por muito tempo, o quadrinho na cultura pop foi dominado por figuras masculinas, mimetizando um masculinismo e machismo bem explicito, e colocando papéis importantes para construir a ideia de masculinidade, a qual são os super-heróis. Quando falamos de quadrinhos, pensamos muito em super-heróis, porque são personagens muito marcantes, mas temos outras narrativas, métodos de se fazer”, explica.
É apenas uma questão de fazermos um simples exercício mental: ao pensarmos em HQs, principalmente as de super-heróis, quantas colocam os homens como personagens centrais? E quantas colocam as mulheres em situações indefesas, que precisam de homens para apoiá-las. Até mesmo em uma das mais marcantes, a Mulher-Maravilha, tem em sua história o interesse romântico.
“As narrativas de heróis se apoiam nas construções de estereótipos e ideais masculinos, e é a partir desse tipo de história que as mulheres têm que lutar até hoje contra, que estão estabelecidos no imaginário popular. Enquanto tivermos machismo, teremos estruturas sociais que possibilitam que essas leituras de mundo continuem prosperando”, destaca a artista.
Entretanto, Marina observa que o público leitor de quadrinhos atual demonstra uma crescente feminina. E não só na leitura como na produção. “A presença feminina na realização de quadrinhos sempre existiu, mas agora as mulheres estão tendo mais coragem de ocupar esses espaços. A visibilidade ainda é um desafio, mas o movimento corre atrás, de uma forma que deixam alguns ‘nervosos’ dentro do mercado brasileiro. Vemos que o problema não é apenas o mercado, e sim uma sociedade machista que não quer nos colocar nesse lugar de destaque”.
Durante anos, as HQs escritas por homens são as que dominam as editoras. Mas a internet e o mercado independente muda essa roda, oportunizando o trabalho de quadrinistas e de diferentes tipos de narrativas, com maior foto em discussões e reflexões de gênero e raça, por exemplo.
“Enquanto mulher, nos apoiamos muito nos quadrinhos e mercado independente, porque no Brasil, as editoras preferem publicar autores internacionais. Ser mulher é isso, temos que trabalhar duplicado, escrever, desenhar, revisar, colorir, finalizar, se divulgar, projeto gráfico, tudo isso sozinha, sem aparato editorial, competindo com quem tem. Muitas mulheres que fazem quadrinhos é por teimosia e amor, porque se for pelo mercado… ai não dá”, reflete Marina.
Ela relata que, assim como todas nós [inclusive às repórteres que escrevem esse especial] já sofreu algum tipo de distinção pelo gênero.
“É sempre um desafio. As nossas relações de trabalho sempre serão atravessadas pelo gênero. As nossas ideias são subestimadas, sempre colocado um atestado de incompetência. Esse tipo de questão existe em qualquer mercado. Ser mulher e brigar pelo seu espaço, muitas vezes será levar um tapa na cara e um chute na bunda da realidade”, exalta.
CINEMA
Nada mais revolucionário do que uma mulher com uma câmera em mãos, e o cinema brasileiro tem sido constantemente marcado pela presença de mulheres que exploram e retratam a realidade feminina no país. No entanto, essa ação transformadora é ofuscada pela escassez de mulheres nas funções essenciais por trás das câmeras, um reflexo claro de uma sociedade ainda desigual e cheia de discriminação.
Embora as mulheres representem metade do público de cinema, apenas 24% dos filmes de 2017 tinham mulheres como protagonistas, segundo dados do site americano States Hollywood. As estatísticas nas áreas técnicas são ainda mais baixas: 10% das roteiristas, 2% das diretoras de fotografia, 14% das editoras e 24% das produtoras. Nas 250 maiores bilheteiras de 2017, apenas 3% das equipes de filmagem eram compostas por mulheres, mostrando a grande sub-representação feminina.
O jornal O Estado conversou com a cineasta Marinete Pinheiro, uma das figuras mais importantes do cinema sul-mato-grossense, para discutir sua trajetória e a presença feminina na indústria cinematográfica.
“A luta das mulheres no audiovisual é constante”
A cineasta estudou em Cuba e retornou para MS em 2012-2013. Após mais de 10 anos, se sentiu isolada,

Foto: Reprodução
tanto profissional quanto pessoalmente. Naquele período, havia poucas mulheres formadas em cinema, e entre os homens, a maioria vinha de áreas afins. Para suprir a carência de profissionais no setor, Marinete começou a ministrar oficinas e cursos. Na época, uma das perguntas que enfrentava era: “O que você está fazendo aqui, se esse não é um lugar de cinema?”
“Quando voltei, minha vontade era fazer um filme sobre a mulher no Mato Grosso do Sul, e aí surgiu a ideia de fazer o filme da cantora Delinha. A minha intenção era contar a história de uma mulher no estado, e, por sorte, a Delinha foi a protagonista da minha primeira obra. Foi uma grande sinergia.”
Marinete Pinheiro enfrentou dois episódios marcantes de machismo em sua carreira. O primeiro ocorreu quando, em uma instituição pública, foi decidido que não haveria mulheres na curadoria de um evento, levando Marinete a criar a chapa “As Claquetes”, composta exclusivamente por mulheres. O segundo aconteceu em um festival de cinema em MS, quando ela, junto com outras cineastas, lançou um manifesto pedindo paridade na curadoria, após perceber que a seleção de filmes e o único curador eram predominantemente masculinos.
“Precisamos continuar lutando em todos os processos do audiovisual. A questão é a luta diária pela paridade, algo que ainda falta ser reconhecido. Não podemos mais aceitar justificativas como a falta de dinheiro, porque a verdadeira questão é garantir a presença feminina em todos os espaços. Se há homens em determinados espaços, por que não podemos ter mulheres também?”, reflete a cineasta.
A luta contínua
Em 2019, Marinete começou a trabalhar como voluntária na Kuñangue Aty Guassu, uma organização no Estado dedicada à grande assembleia das mulheres Guarani-Kaiowá. Ao longo de sua jornada, ela enfrentou diversas barreiras, especialmente relacionadas ao machismo e à violência de gênero, aspectos que são particularmente intensos nas comunidades indígenas. Um dos projetos que ela dirigiu foi o documentário “Kuñangue, 18 Anos”, lançado no ano passado, que celebra a trajetória da comunidade.
“É muito difícil produzir audiovisual em um contexto de tanta violência, desigualdade social e falta de recursos, além das questões relacionadas à fome e à violência contra as mulheres. Apesar desses desafios, busco dar visibilidade às mulheres indígenas, usando minha experiência para colaborar e criar projetos que deem voz a essas mulheres, como a animação sobre a visão Guarani-Kaiowá que estou produzindo atualmente”, afirma.
Neste 8 de março, Marinete destaca o protagonismo das mulheres com quem compartilhou sua trajetória profissional. Ela faz menção à diretora da escola de cinema Tanya Valente e à especialista em som direto Laura Cristina, além de ressaltar a importância da chapa “As Claquetes”, formada por mulheres influentes no audiovisual.
“Acredito no poder do coletivo e na importância de mais mulheres na direção e na produção de filmes, pois o olhar feminino traz uma sensibilidade essencial para contar as histórias do estado. A expectativa é de que mais mulheres assumam essas posições e continuem a contribuir para o crescimento e a diversificação do audiovisual em MS. A luta das mulheres no cinema é uma luta constante e necessária para garantir que mais mulheres ocupem espaços importantes na indústria, como a direção de fotografia, onde as mulheres ainda são minoria”
Por Amanda Ferreira e Carolina Rampi