Alteração na norma prevê intervalos maiores para os profissionais, modificação nos horários e redução na jornada
As mudanças climáticas vêm sendo observadas há alguns anos, e no ano passado essa questão ficou ainda mais evidente conforme matéria publicada na edição do sábado (11), pelo Jornal O Estado, principalmente, para aqueles que trabalham sob o sol, como pedreiros, entregadores, agricultores, entre outros. Analisando essas condições, o Governo Federal está revisando a NR-15 (Norma Regulamentadora 15) para readequar as condições das profissões que atuam sob condições extremas de exposição ao calor. Especialistas analisam mudanças como necessárias para atender esses trabalhadores, além de evitar problemas graves, como o câncer de pele.
Algumas alterações, que são conduzidas pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), já estavam previstas, explica a advogada especialista na trabalhista e empresarial,
Dra.Giovanna Alberti Bueno ao Jornal O Estado. “No anexo 3, da NR-15, está prevista a situação dos trabalhadores que são expostos ao calor, porém era mais focada na questão de calor no ambiente de trabalho, com relação ao ambiente ser quente, como trabalhar com forno”.
Outra advogada trabalhista, Dra. Tais Lopes Nantes, também especialista em Direito Empresarial, reforça que o assunto é novo e de extrema importância, já que envolve a saúde dos trabalhadores. “Esse é um assunto muito debatido e de extrema importância. Estamos registrando índices que ainda não foram registrados na nossa história atual, moderna, de calor e a gente não sabe que essa exposição ao calor pode trazer prejuízos à saúde do trabalhador a longo prazo. A gente está tratando de um assunto novo porque são temperaturas além do que a gente já está acostumado. E tudo o que é novo precisa do estudo para que seja feito da melhor forma”.
“Parece que a gente não vai conseguir respirar”
Em Campo Grande quem convive com a rotina nos canteiros de obras sente na pele o aumento das temperaturas e os impactos na saúde. Um pedreiro, que preferiu não se identificar, relatou para a reportagem a sua experiência de trabalho em dias quentes. “É pesada, porque começo a trabalhar às 7 horas da manhã e vou até às 17/18h da tarde. O calor é insuportável, e, quando está mais forte, parece que a gente não consegue respirar direito. Isso desgasta o corpo muito rápido”, afirmou.
Ele também relatou os impactos do calor na saúde. “Já senti muita tontura e cansaço extremo. Às vezes, dá aquela sensação de fraqueza, como se o corpo não aguentasse mais. Eu sempre tento me hidratar, mas nem sempre é suficiente. A gente já ouviu casos de colegas que desmaiaram no trabalho”, relatou.
Com sua experiência ele destaca que algumas mudanças seriam ideais. “Acho que seria importante ter mais intervalos durante o dia, principalmente nos horários de maior calor. Além disso, horários alternativos, como começar mais cedo e parar mais cedo, ajudariam bastante”, sugeriu.
Quem também compartilhou a sua experiência foi José Roberto, encarregado e empreiteiro com mais de 20 anos de experiência, ele explica como é sua rotina e as dificuldades enfrentadas durante dias de calor extremo. “É bem cansativo, porque a gente pega em torno de 7 horas da manhã e vai parar às 18h. Então é bem desgastante”, afirmou.
Sobre as condições de trabalho, José Roberto diz que a empresa fornece proteção para os trabalhadores e que há flexibilidade na organização dos horários para evitar os períodos de maior calor . “Por exemplo, blusas de manga longa, chapéu e protetor solar. Eles disponibilizam para todos os funcionários. Podemos começar mais cedo como podemos parar mais cedo. Eu sou empreiteiro, então combino com os meninos, e decidimos juntos o que fica melhor para todo mundo”, destacou.
Mudanças Previstas
Entre as mudanças propostas, que estão sendo analisadas pelo órgão competente, estão alteração dos horários de trabalho para evitar picos de calor, intervalos mais longos, áreas sombreadas e acesso à água potável. Além disso, alguns trabalhadores solicitam a redução de jornada de trabalho, contudo, a Dra. Giovanna Bueno destaca que esse ponto é delicado, uma vez que ultrapassa regulamentos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
“A gente tem que respeitar a jornada diária estabelecida pela CLT. Não sei se a redução da jornada de fato vai ser efetivada, mas também é uma opção a ser analisada. Então, imagino que devamos fazer uma adequação quanto esses períodos de maior calor, para que, por exemplo, o empregado tenha um período de descanso determinado durante esse período de calor extremo, que seria ali por volta das 11 horas até às 14h, para que seja, obrigatoriamente, durante esse período, ou para que haja um período de descanso maior”, explica.
“Em outra situação, a gente tem, por exemplo, para trabalhadores que trabalham com câmaras frias, com mudanças bruscas de temperatura, eles têm um período de descanso térmico, então talvez seja colocado algo nesse sentido. Imagino que essa nova mudança inclua algo nesse aspecto, para que eles tenham esse descanso térmico, de certa forma, para evitar essa exposição incidente do sol”, exemplifica.
Além da jornada de trabalho, outra opção seria o fornecimento de protetor solar e EPIs (Equipamento de proteção individual) adequado para que o empregado tenha maior proteção. “Acréscimo de outros benefícios seria eficiente para os empregados. A gente já tem algumas normas, algumas determinações, por exemplo, para os empregados do Correio, que é uma empresa pública, ele já tem também essas regulamentações de carteiros que precisam de protetor solar, precisam do fornecimento desses EPIs, então seria algo que vai ser estendido a outras profissões, como, por exemplo, o pedreiro ou o motociclista”, frisa a Dra. Giovanna Bueno.
Por fim, a Dra. Tais Nantes pontua que as mudanças não irão ser prejudiciais aos empregadores. “O objetivo da legislação e das normas para os trabalhadores têm que ser trazer proteção ao trabalhador, mas também trazer uma forma saudável para a empresa. Essa alteração, eu acredito que não vai comprometer o empregador, não vai comprometer a operação da empresa em si, porque normalmente nós tratamos de vários setores, então a gente pode ordenar por setor a pausa”, explica.
Calor extremo pode causar doenças
O calor extremo pode ser prejudicial à saúde, por isso a grande discussão. Como muitos relatos apontam, o calor altera a pressão, podendo causar tonturas, desmaios e, ainda, em situações mais graves o câncer de pele, como lembrado pela Dra. Giovanna Bueno.
“Epis e protetor solar são formas adequadas para a proteção, principalmente contra o câncer de pele, porque o problema da incidência solar seria realmente o desenvolvimento do câncer de pele. O trabalhador está exposto frequentemente, diariamente, num período grande de horas ao sol, o que pode acarretar. No câncer de pele, que depois posteriormente pode ser considerada uma doença ocupacional, e também motivo de aposentadoria, então é uma situação bem delicada. A gente visa também, além da proteção ao trabalhador, todo esse cuidado para não acarretar em prejuízos maiores”.
Uma das doenças de maior risco para a vida dos trabalhadores que compartilham a rotina diária sob o sol é o câncer de pele, que corresponde a cerca de 30% de todos os diagnósticos do Brasil. Por outro lado, o tumor é o de maior incidência, mas o de menor mortalidade se tratado de forma adequada. Somente em 2023, o INCA (Instituto Nacional dde Câncer) estimou a incidência de 80 novos casos para o tipo melanoma (surge nas células que produzem melanina) e 3.060 novos casos para o não melanoma (surge nas células basais).
De acordo com dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho), as ondas de calor são responsáveis por 18,9 mil mortes e 22,85 milhões de lesões ocupacionais anualmente em todo o mundo. Vale lembrar que em 2024, o Brasil registrou a maior temperatura média desde o início das medições pelo Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia). Projeções para 2025 indicam que as temperaturas podem continuar subindo, consolidando novos recordes no país e no Estado.
Por Inez Nazira e Roberta Martins
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