Mulheres celebram conquistas profissionais e quebram paradigmas em sociedade marcada pelo preconceito e resistência

Miriane, Rosimeire,
Palloma e Jaiane
mostram que é possível
romper as barreiras. Foto: Arquivo
Miriane, Rosimeire, Palloma e Jaiane mostram que é possível romper as barreiras. Foto: Arquivo

Data representa a resistência daquelas que apesar de todos os desafios seguem em busca de seus sonhos

Mulheres que desempenham funções essenciais para a sociedade muitas vezes permanecem invisibilizadas, apesar de sua importância. No Dia da Mulher – que vai além de uma data comemorativa e simboliza a resistência e a luta por direitos, segurança e equidade –, o Jornal O Estado ouviu motoristas, diaristas e cuidadoras. Elas compartilham os desafios enfrentados diariamente e as conquistas que, apesar das dificuldades, marcam suas trajetórias profissionais.

A desigualdade de gênero aponta como um dos principais fatores para o apagamento da mulher no processo histórico, visto que a mulher ainda enfrenta desigualdade em relação ao homem em espaços políticos, acadêmicos, sociais, no trabalho ou lar. Embora, nos últimos anos, as mulheres tenham avançado em muitas lutas, como a busca por igualdade salarial, acesso à educação superior, direitos trabalhistas ou a ocupação em cargos políticos – apesar disso, suas conquistas não deixam de estar marcadas por uma trajetória de resistência constante, mas também não deixam de ser celebradas.

Miriane Victório, de 40 anos, é motorista no transporte rodoviário há mais de um ano. Sua profissão é uma de suas maiores realizações pessoais. Para além do orgulho, contudo, os desafios enfrentados são diários. Segundo Miriane, a jornada de trabalho ou, às vezes, a estrutura do transporte nem sempre são os principais obstáculos, mas, sim, seu gênero.

“Uma mulher ser motorista de ônibus ainda assusta muitas pessoas, porque é uma profissão ‘para’ o masculino. Então, tem muito preconceito. Se acontece qualquer coisinha, já vem aquela palavrinha: ‘tinha que ser mulher’ ou ‘será que você consegue?’, querendo desmerecer”, relata.

A ideia de que as mulheres são inferiores aos homens é um problema grave enfrentado pela população feminina do Brasil, o que agrava a violência contra elas. A desigualdade de gênero abrange desde a misoginia (aversão às mulheres) assim como comportamentos sexistas (discriminação com base em estereótipos e papéis sociais), semelhantes aos relatados por Miriane.

Apesar dos inúmeros desafios, ser motorista é um sonho realizado e motivo de orgulho para a profissional, que pretende se tornar caminhoneira nos próximos anos. “Os desafios são diários. Nós, mulheres, temos que ser fortes. Ser forte é demonstrar isso o tempo todo, porque ocupamos profissões que dizem não ser para a gente. Eu optei por essa profissão para mostrar a mim mesma que posso, sim, fazer o que eu quero, ir onde eu quero e, para isso, basta eu querer”, enfatiza.

Enquanto isso, na profissão de cuidadora de idosos, os desafios para as mulheres vão além das exigências físicas e emocionais do trabalho. Há 23 anos na profissão, Rosimeire Gregório Sampaio, de 55 anos, compartilha que, mesmo usando uniforme, já enfrentou situações de assédio, tanto por parte de pacientes quanto de familiares.

“Já aconteceu isso comigo várias vezes. Já sofri assédio por parte da família, de membros da família e também por parte do paciente. Às vezes, o familiar começa a sentir ciúmes, porque a cuidadora é uma mulher. Mas nós somos profissionais. Estamos ali para cuidar, independente se é homem ou mulher”, exclama.

Além disso, Rosimeire também relata episódios de preconceito por parte dos empregadores. Ela compartilha que algumas famílias demonstram resistência em aceitar cuidadoras negras dentro de casa. “Vamos dizer… há um certo racismo. Um certo não, eu já sofri racismo, porque sou negra e muitas vezes a família não aceita uma pessoa de cor escura dentro da sua casa.”

A profissional, que também é técnica de enfermagem, cita a complexidade das profissões e a sobrecarga de responsabilidades que ainda recai sobre as mulheres. “O cuidador assume múltiplas funções: é mãe, faxineira, acompanhante. Muitas vezes, é preciso equilibrar o trabalho com as responsabilidades da própria casa”, explica. Mesmo com a rotina intensa, ela reforça o compromisso com o cuidado. “Às vezes, fica alguma coisa para trás. Dentro de casa mesmo, fica uma roupa para lavar, para passar. Mas minha vontade, meu desejo, é sempre colocar o cuidado em primeiro lugar e ser imprescindível”, ressalta.

Suzano chega a mais de 1,4 mil mulheres atuando em MS

Em 2024, a empresa contratou 849 mulheres, o que corresponde a 32% das contratações da empresa realizadas ao longo do ano em MS; foram 402 para atender a Unidade Três Lagoas e 447 para a Unidade Ribas do Rio Pardo.Em Ribas do Rio Pardo, a engenheira de produção Palloma Vigiani, 34 anos, foi a primeira mulher contratada pela Suzano na área industrial da Unidade de Ribas do Rio Pardo. Com uma trajetória de qualificação, Palloma consolidou sua carreira na indústria e hoje contribui ativamente para o desenvolvimento de novas profissionais na Suzano, onde encontrou um ambiente que valoriza a diversidade e incentiva a presença feminina.

Atualmente, Paloma faz parte de um time de 181 mulheres que atuam na operação industrial, muitas das quais ajudou a formar. “A Suzano confia na força das mulheres, e essa valorização me deu coragem para avançar e inspirar outras profissionais a seguirem o mesmo caminho. Por muito tempo, fui a única mulher nos setores em que atuei. Hoje, tenho o privilégio de acompanhar e formar novas colegas, que agora fazem parte da operação e ajudam a transformar a indústria”, destaca.

Informalidade afeta direitos básicos

A precarização do trabalho também se reflete nas trabalhadoras domésticas. Segundo a PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), apurada pelo IBGE, 39,1% dos brasileiros trabalharam na informalidade em 2023, o que impacta diretamente categorias como diaristas e cuidadoras, dificultando o acesso a direitos trabalhistas básicos.

Esse é um dos principais desafios enfrentados por Josefa da Gama Lima, 58, diarista há 20 anos. Ela escolheu ser diarista pela flexibilidade no horário e rotina. No início, seu principal objetivo era conciliar a profissão com outras responsabilidades. Hoje, ela mantém uma rotina fixa, atendendo clientes antigos em diferentes casas ao longo da semana.

No entanto, Josefa destaca que os desafios existem, especialmente quando há falta de respeito por parte de alguns empregadores com as diaristas. Para ela, o demérito às normas trabalhistas é o principal agravante. “A gente se sente desvalorizado. Não temos nenhuma segurança no trabalho. Você está ali o dia inteiro, às vezes há anos, com a mesma família, mas se um dia precisar parar, não tem nenhum respaldo”, afirma. Para Josefa, é essencial que essa realidade mude, garantindo mais apoio e reconhecimento para a categoria.

Primeira mulher a se formar entre 30 primos

De uma família extremamente humilde, Jaiane Santos Moreira, de 26 anos, cresceu sabendo o que queria e não era somente se casar e ser dona de casa, assim como todas as outras mulheres de sua família. Então, ela mudou seu destino.

Disposta, Jaiane deixou a família e amigos e se mudou para uma cidade distante 2.547 km, onde vivenciou uma cultura completamente diferente para trabalhar e ter uma formação. Sempre estudiosa e curiosa em aprender tudo o que pudesse, Jaiane foi a primeira a ter curso técnico entre os 30 primos. “Alguns começaram, mas nenhum concluiu por motivos pessoais. Eu me formei, mudei de cidade, saí da roça e fui para a cidade ali em Entre Rios mesmo e consegui um emprego em um resort em uma escala 6×1, apenas uma folga na semana. O trabalho era intenso, tive crise de ansiedade, foi quando surgiu a oportunidade de trabalhar no viveiro da MS Florestal, em Água Clara”.

Formada em técnica agropecuária e com a nova oportunidade à vista, Jaiane estudou, viu as possibilidades de crescer com a nova chance e conseguiu ser efetivada. “Aqui eu consegui dar um novo começo aos estudos, eu cursei uma faculdade, sou amparada e com boa remuneração”.

93 anos do voto feminino: conquista de direitos e emancipação feminina

A conquista do voto feminino completou 93 anos na última segunda-feira (24) de fevereiro e este foi o primeiro ato de inclusão eleitoral das mulheres.

A possibilidade da mulher escolher seu representante virou realidade em 1932 com o reconhecimento do voto feminino. O direito foi incorporado na Constituição de 1934 de forma facultativa e, em 1965, o voto feminino tornou-se obrigatório.

A vice-presidente do Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana e conselheira eleita do Conselho Estadual da Mulher, Neyla Mendes, destaca a importância do voto feminino para a emancipação das mulheres.

“A conquista do voto feminino foi um marco fundamental na luta das mulheres por direitos. Na época, as mulheres eram consideradas incapazes perante a lei, subordinadas ao pai ou ao marido, sem autonomia sobre sua vida”.

Esse cenário começou a mudar com o Decreto n° 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, que garantiu às mulheres o direito ao voto, ainda que com restrições. Contudo, diferente dos homens, o Código Eleitoral de 1932 impôs algumas condições à participação feminina nas eleições.

“O voto não era obrigatório para as mulheres. Além disso, apenas aquelas que exercessem cargos públicos remunerados ou que tivessem autorização do marido, no caso das casadas, podiam se alistar eleitoralmente. Viúvas e solteiras só podiam votar caso comprovassem independência financeira”, explica Neyla Mendes, que também é membro do MCRIA (Fórum Permanente pela Vida de Mulheres e Crianças).

A conquista do voto foi um passo decisivo para a ampliação dos direitos femininos e abriu caminho para outras conquistas legais, como a aprovação do Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/1962). Neyla esclarece que essa legislação garantiu avanços importantes, como a possibilidade da mulher trabalhar sem precisar da autorização do marido, bem como o direito de gerenciar sua própria vida financeira, incluindo a abertura de contas bancárias sem precisar da autorização do cônjuge.

“Essas mudanças consolidaram a mulher como cidadã plena, com voz ativa na sociedade e o direito de escolher seus representantes. Além da emancipação, a presença feminina na política é essencial para garantir a representatividade das mulheres nas decisões públicas, combatendo desigualdades históricas e promovendo leis mais justas e inclusivas”, ressalta a vice-presidente.

Poucas mulheres no eleitorado brasileiro 

Em uma reflexão sobre as conquistas das mulheres, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei 13.086/2015, que instituiu o Dia da Conquista do Voto Feminino, comemorado no mês passado.

As reflexões, porém, vão além do direito de votar: elas se debruçam nos dias de hoje sobre a baixa representatividade feminina no processo democrático. As mulheres representam 52% do eleitorado brasileiro, mas não ocupam nem a metade dos espaços de poder no Legislativo, no Executivo ou no Judiciário.

Segundo dados da UIP/ONU (União Interparlamentar), o Brasil ocupa a 133ª posição no ranking de representatividade nos Parlamentos. Nos cargos eletivos federais, das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados, 93 são ocupadas por elas (18%); no Senado Federal, das 81, 16 cadeiras são delas (19,8%).

“O olhar das mulheres é fundamental para a construção de uma sociedade justa e igualitária. Precisamos de mais mulheres em espaços de poder, afinal, representamos 52% do eleitorado brasileiro”, destacou a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves.

Por Ana Cavalcante

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