Diretores apontam ‘meritocracia’ e falta de verba para justificar escassa participação feminina nos clubes
Em universo historicamente masculino, as mulheres seguem na batalha por espaço. Mesmo longe do ideal, dentro de campo, a evolução é visível, com a profissionalização da modalidade e calendário mais estruturado. Fora das quatro linhas, porém, a presença feminina ainda é escassa, principalmente nos cargos de decisão.
O esporte chegou ao Brasil em meados dos anos 1890. Depois de 81 anos, uma mulher presidiu um clube de futebol no país. Jurema Bagatini Ramos assumiu o Esporte Clube Encantado, do Rio Grande do Sul, em 1971, e reergueu o time que passava por problemas estruturais e financeiros. Mais de 50 anos depois, o cenário segue desafiador. Entre os 20 clubes da Série A do Brasileirão, apenas o Palmeiras é comandado por uma mulher: Leila Pereira, que assumiu o cargo em 2021 e foi reeleita para o triênio 2025-2027. Na Série B, a única exceção é Marianna Libano, presidente do Coritiba, eleita para o mesmo período.
Se no eixo nacional, as mulheres já são minoria, em Mato Grosso do Sul a situação é crítica. Seja nas comissões técnicas, seja na diretoria dos clubes, a presença feminina praticamente não existe. Cinco dos seis clubes que seguem na disputa do Campeonato Sul-Mato-Grossense masculino, foram consultados, e a participação de mulheres na comissão técnica ou na diretoria é mínima.
No Costa Rica, nenhuma mulher integra a comissão técnica. O presidente do clube, André Baird, afirmou que o critério para contratação é exclusivamente técnico e sem distinção de gênero. Ele citou que o clube já teve profissionais mulheres em 2021, 2022 e 2024, mas não especificou quantas ou quais funções ocuparam.
Já no Águia Negra, a presença feminina chegou a ser cogitada, mas foi inviabilizada por dificuldades financeiras. O clube pretendia contratar uma fisioterapeuta, mas a falta de estrutura para alojá-la separadamente dos homens tornou o custo inviável. Assim, optaram por pagar um profissional da cidade, apenas em dias de necessidade.
O Dourados afirmou que responderia sobre a presença de mulheres na equipe, mas até o fechamento desta edição, não houve retorno. Não há mulheres entre cargos de liderança do clube.
No Operário, atual campeão dos campeonatos femininos profissional e sub-17, também não há mulheres em cargos de liderança. A única profissional identificada nas redes sociais do clube trabalha de lavadeira de uniformes. A diretoria não respondeu aos questionamentos sobre a participação feminina na comissão técnica.
Na Portuguesa/Pantanal, o elenco conta com a fisioterapeuta Patrícia Barros, na função de auxiliar de fisiologia.
Avanço a conta-gotas
Se a presença das mulheres nos bastidores ainda é limitada, dentro de campo os avanços existem, embora o futebol feminino enfrente dificuldades. A competição estadual existe desde 2008, mas teve interrupções em 2015 e 2016. Em 2020, o campeonato contou com apenas três equipes: Serc, Aquidauanense e Comercial. Nos últimos anos, o número de participantes aumentou, mas o cenário ainda é frágil. Em 2024, nove clubes disputaram o campeonato, com o título decidido entre Operário e Costa Rica. O time campo-grandense goleou por 8 a 0 e se sagrou campeão.
Mas é necessário reconhecer: em Mato Grosso do Sul, o crescimento da modalidade se reflete na criação e ampliação das categorias de base, por exemplo. O Estadual Feminino Sub-17, já tem data marcada para ocorrer, de 30 de agosto a 20 de setembro, enquanto o torneio profissional será realizado entre 12 de abril e 10 de maio.
Muito por fazer
A falta de infraestrutura adequada para receber as profissionais, como acontece com o Águia Negra, é um obstáculo que evidencia o quanto os clubes ainda não estão preparados para a inclusão. Mas, neste caso específico, há uma solução. Uma vez que o clube optou por contratar profissionais através de diárias, a contratação de uma mulher é certamente possível, e não só no cargo em questão.
A justificativa de que a contratação de mulheres depende exclusivamente de critérios técnicos não se sustenta diante da ausência quase absoluta de profissionais nos clubes masculinos do Estado. Se não há mulheres em cargos de comando, como elas podem atender aos requisitos exigidos? Se os dirigentes e demais responsáveis idealizam a igualdade em seus respectivos clubes, precisam começar a buscar profissionais mulheres, e não apenas profissionais, sem distinção de gênero. O avanço do futebol feminino em Mato Grosso do Sul pode ser um primeiro passo para mudar essa realidade, mas, enquanto as mulheres seguirem à margem das decisões, a igualdade de oportunidades seguirá distante.
Por Mellissa Ramos
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